NORMAS E QUALIFICAÇÃO EM SOLDAGEM
Desde o início da civilização, tem existido uma necessidade
de regras e regulamentos para controlar de uma forma ou outra as atividades
humanas. Com o advento da revolução industrial, as atividades no campo
industrial começaram a exercer um importante efeito sobre os indivíduos não
diretamente envolvidos com os processos de fabricação, tanto os usuários
diretos como os não usuários dos produtos destes processos.
A falta de regulamentação nas diferentes etapas de um
processo de fabricação, ou a não observância de regulamentações existentes, tem
ocasionado em acidentes e outros problemas que podem ter sérias conseqüências
tanto para os produtores, como para os usuários e, também, para a população em
geral e para o meio ambiente. Assim, um dos objetivos primários de um código é
a prevenção de acidentes que poderiam resultar em morte de pessoa, perdas materiais
e contaminação do meio ambiente. Além disso, o uso bem sucedido de códigos e normas
pode resultar em uma produção mais uniforme, melhor controle de qualidade, maior
rastreabilidade e possibilidade de correção de falhas em produtos e em um
método de produção mais sistemático. Mais recentemente, a enorme ampliação das
relações econômicas entre as nações, levando tanto a um aumento da competição
como a uma maior necessidade de cooperação e padronização entre empresas de
diferentes países, a maior ênfase nas necessidades dos clientes e a maior
demanda para a conservação de recursos e proteção do meio ambiente tornaram o
uso de normas técnicas e o desenvolvimento de sistemas de garantia da qualidade
(e do meio ambiente) fundamentais para empresas que anteriormente não se
preocupavam com estes aspectos.
Uma das características mais importantes de um código é a
sua autoridade. Isto é, um código precisa ter um grau de autoridade suficiente
para garantir que as suas exigências sejam seguidas por seus usuários. Esta
autoridade é assegurada geralmente por organizações reguladoras internacionais,
governamentais, industriais ou de consumidores, às quais é dado o poder de
policiar as atividades daqueles que falham em seguir as suas regulamentações.
Algumas vezes, a autoridade associada a um código pode resultar em punições
tais como a exclusão do mercado de um fabricante que não observou os requerimentos
do código. Em alguns casos, grupos de proteção consumidor podem exercer eficientemente
este tipo de autoridade.
Outra característica importante é a “interpretabilidade” do
código. Para ser de algum uso, tanto para o fabricante como para o comprador ou
usuário, o código deve ser escrito em uma terminologia clara, concisa e não
ambígua. Este aspecto é extremamente importante quando a obediência de um dado
código se torna um assunto legal.
Um código deve também ser prático. Isto significa que o seu
usuário deve conseguir atender às suas exigências e ainda produzir, com lucro,
um dado produto que seja útil ao usuário.
Esta “praticabilidade” não é sempre fácil de ser conseguida.
Ela requer discussões entre especialistas de todas as atividades envolvidas com
um dado produto ou serviço específico e, também, requer experiência. A decisão
de quanto controle é necessário é muito delicada e deve ser cuidadosamente avaliada
para se evitar o problema muito comum da obediência ao código se tornar o maior
obstáculo a uma produção eficiente e lucrativa. Por outro lado, em muitos
casos, a correta adoção de códigos e de um sistema de garantia da qualidade em
uma empresa é uma forma de se obter importantes ganhos de produtividade e de
eficiência e de se reduzir custos.
Para que o problema anterior seja evitado, muitos códigos
são escritos por comitês constituídos por grupos reguladores governamentais,
produtores e representantes de consumidores. Da experiência acumulada deste
grupo, espera-se que o código resultante seja justo e adequado para todos os
interessados. A existência de dispositivos que possibilitem a eventual
alteração do código, quando isto for necessário, é também importante. Isto pode
ocorrer quando a experiência acumulada ou o desenvolvimento de novas técnicas
de fabricação, inspeção ou controle indicarem que a alteração, substituição ou
abandono de alguns requerimentos, ou a adoção de novos, sejam necessários.
No caso específico das operações de soldagem, a realização
de soldas inadequadas durante a fabricação de certos tipos de estruturas ou
equipamentos, tais como navios, pontes, oleodutos, componentes automotivos e
vasos de pressão, pode resultar em sérios acidentes
com grandes perdas materiais e, eventualmente, humanas e
danos ao meio ambiente. Como consequência, as operações de soldagem para
diversas aplicações são reguladas por diferentes códigos segundo a aplicação
específica. Como exemplo de códigos e especificações importantes ligados à
soldagem pode-se citar:
• ASME Boiler and Pressure Vessel Code
(vasos de pressão),
Normas e Qualificação em Soldagem - 3
• API STD 1104,
Standard for Welding Pipelines and Related Facilities
(tubulações e dutos na área de petróleo),
• AWS D1.1, Structural Welding Code
(estruturas soldadas de aço carbono e de baixa liga),
• DNV, Rules for Design, Construction
and Inspecion of Offshore Structures (estruturas marítimas de aço),
• Especificações diferentes de
associações como a International Organization for Standardization (ISO),
American Welding Society (AWS), British Standard Society (BS), Deustches
Institute fur Normung (DIN), Association Francaise de Normalisation (NF),
Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), etc.
Estes códigos e especificações podem cobrir as mais
diferentes etapas de soldagem incluindo, por exemplo, a especificação de
material (metal de base e consumíveis), projeto e preparação da junta,
qualificações de procedimento e de operador e procedimento de inspeção.
Para diversas aplicações, as normas relevantes exigem que,
antes da execução da soldagem de produção, especificações dos procedimentos que
serão adotados para a sua execução sejam preparadas e qualificadas. Este
processo visa demonstrar que, através do procedimento proposto, soldas
adequadas, de acordo com os requisitos colocados pela norma ou estabelecidos em
contrato, possam ser obtidas. Além disto, ele permite uniformizar e manter
registro das condições especificadas de soldagem para controle do processo e
eventual determinação de causas de falha.
A Especificação de Procedimento de Soldagem (EPS) é um documento no qual os valores permitidos de
diversas variáveis do processo estão registrados para serem adotados, pelo
soldador ou operador de soldagem, durante a fabricação de uma dada junta
soldada. Variáveis importantes de um procedimento de soldagem e que, portanto,
podem fazer parte de uma EPS incluem, por exemplo, a composição, classe e
espessura do(s) metal(is) de base, processo(s) de soldagem, tipos de
consumíveis e suas características, projeto da junta, posição de soldagem,
temperatura de pré-aquecimento e entre passes, corrente, tensão e velocidade de
soldagem, aporte térmico, número aproximado de passes e técnica operatória.
Naturalmente, a forma exata de uma dada Especificação de
Procedimento de Soldagem e as variáveis por ela consideradas dependem da norma
técnica que está sendo aplicada.
Para que possa ser utilizada na produção, uma EPS deve ser
antes qualificada. Para isto, amostras adequadas devem ser preparadas e
soldadas de acordo com a EPS. Corpos de prova devem ser retirados destas
amostras e testados ou examinados, os resultados destes devem avaliados e, com
base nos requerimentos estabelecidos pela norma, projeto ou contrato, o
procedimento deve ser aprovado ou rejeitado (neste caso podendo ser convenientemente
modificado e testado novamente).
Os testes que serão realizados na qualificação de uma EPS,
assim como o seu número, dimensões e posição no corpo de prova, dependem da
aplicação e da norma considerada.
Como testes, que podem ser requeridos, pode-se citar:
• Ensaio de dobramento,
• Ensaio de tração,
• Ensaio de impacto (ou outro ensaio para
determinação de tenacidade),
• Ensaio de dureza,
• Macrografia,
• Ensaios não destrutivos (por exemplo,
radiografia), e
• Testes de corrosão.
Os resultados dos testes devem ser colocados em um Registro
de Qualificação de Procedimento (RQP) o qual deve ser referido pela EPS,
servindo como um atestado de sua adequação aos critérios de aceitação
estabelecidos. Enquanto os originais da EPS e RQP devem permanecer guardados,
cópias da EPS já qualificada devem ser encaminhadas para o setor de produção e
colocadas próximas das juntas que serão fabricadas de acordo com a EPS. Durante
a fabricação, os valores indicados na EPS deverão ser seguidos.
Inspeções periódicas são realizadas para verificar que o
mesmo está ocorrendo.
Dependendo do serviço a ser executado, um grande número de
juntas soldadas pode vir a exigir qualificação. Nestas condições, o processo de
qualificação poderá Ter um custo relativamente elevado e demandar um longo
tempo para a sua execução. Assim, a utilização, quando possível, de
procedimentos de soldagem previamente qualificados, juntamente com a facilidade
de acessar estes procedimentos (em um banco de dados) e selecioná-los de acordo
com os critérios dos códigos que estão sendo usados, é uma
importante estratégia para manter a própria competitividade
da empresa. Existem disponíveis atualmente programas de computador específicos
para o armazenamento e seleção de procedimento de soldagem.
Para diversas aplicações, o soldador (ou operador) precisa
demonstrar, antes de poder realizar um dado tipo de soldagem na produção, que
possui a habilidade necessária para executar aquele serviço, isto é, ele
precisa ser qualificado de acordo com os requisitos de um dado código. Para
isto, ele deverá soldar corpos de prova específicos, sob condições preestabelecidas
e baseadas em uma EPS qualificada ou em dados de produção. Estes corpos de
prova serão examinados para se determinar sua integridade e, desta forma, a habilidade
de quem o soldou. Como é impossível avaliar o soldador em todas as situações possíveis
de serem encontradas na produção, o exame de qualificação geralmente engloba uma
determinada condição de soldagem e não uma situação específica (tal como a qualificação
para a soldagem em uma determinada posição com um dado processo).
Segundo o código ASME, as variáveis que determinam a
qualificação de um soldador são:
• Processo de soldagem,
• Tipo de junta,
• Posição de soldagem,
• Tipo de eletrodo,
• Espessura da junta, e
• Situação da raiz.
Ensaios comumente usados na qualificação de soldador (ou
operador) incluem, por exemplo, a inspeção visual da junta, ensaio de
dobramento, macrografia, radiografia e ensaios práticos de fratura. Os
resultados dos testes de qualificação são colocados em um
documento chamado Registro de Teste de Qualificação de
Soldador.
Como no caso de procedimentos de soldagem, a manutenção de
uma equipe de soldadores devidamente qualificada para os tipos de serviços que
a empresa realiza, é um importante fator para manter a competitividade desta.
Portanto, o desenvolvimento de programas para o treinamento e aperfeiçoamento
constante da equipe de forma a atender as demandas dos diferentes códigos e
clientes não deve relegado a um segundo plano de prioridades.
As qualificações de procedimento de soldagem e de soldador
(ou operador) fazem parte do sistema de garantia da qualidade em soldagem. Este
controle engloba diversas outras atividades apresentando uma maior ou menor
complexidade em função de cada empresa, seus objetivos e clientes e do serviço
particular. Em geral, três etapas podem ser consideradas:
1. Controle antes da soldagem, que abrange, por
exemplo, a análise do projeto, credenciamento de fornecedores ou controle da
recepção de material (metal de base e consumíveis), qualificação de
procedimento e de soldadores, calibração e manutenção de equipamentos de
soldagem e auxiliares.
2. Controle durante a soldagem, que inclui o controle
dos materiais usados (ex.: controle da armazenagem e utilização de eletrodos
básicos), da preparação, montagem e ponteamento das juntas e da execução da
soldagem.
3. Controle após soldagem, que pode ser realizado
através de inspeções não destrutivas e de ensaios destrutivos de componentes
selecionados por amostragem ou de corpos de prova soldados juntamente com a
peça.
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