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segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Manual de Procedimentos para Auditoria no Setor Saneamento Básico - Parte 1



APRESENTAÇÃO

Considerando o pouco acúmulo de informações em relação ao setor de saneamento básico no que se refere às condições de trabalho, aos impactos sobre a saúde, à exposição aos riscos, às políticas e gestão de segurança e saúde no trabalho, à magnitude dos problemas a serem enfrentados, como também a escassa experiência de fiscalização do setor, foi um Grupo Especial de Apoio à Fiscalização –
GEAF, com ênfase em saneamento e urbanismo, incumbido de realizar o diagnóstico das condições de segurança e saúde no trabalho e elaborar Manual de Procedimentos para orientação dos Auditores Fiscais do Trabalho - AFT em suas ações de auditoria.
O presente Manual de Procedimentos - MP objetiva orientar e subsidiar o AFT na realização de auditoria no setor de saneamento básico para otimizar os resultados pretendidos. Propõe uma metodologia de auditoria fiscal para o setor que seja ao mesmo tempo uma intervenção fiscal efetiva e eficaz e que contribua para o
aprimoramento das condições de segurança e saúde no trabalho.
Para a leitura e utilização deste Manual de Procedimentos é pré-requisito conhecer a discussão já acumulada pelo Ministério do Trabalho e Emprego – MTE sobre auditoria estratégica, constante no documento “Proposta de Protocolo de Auditoria-Fiscal do Trabalho em Empresas de Grande Porte”.
Nos trabalhos preliminares do desenvolvimento deste manual pudemos verificar que no setor saneamento não caberá outra metodologia de abordagem das empresas senão aquela cunhada com aspectos de auditoria estratégica.
Vinculados a este Manual de Procedimentos devem estar a garantia de condições materiais para a realização de auditoria e a inclusão desse ramo de atividade no planejamento do Departamento de Segurança e Saúde no Trabalho – DSST
Para melhor aproveitamento, o documento foi dividido em capítulos:
1° capítulo - Cenário e diagnóstico do Setor Saneamento Básico – Neste módulo foram incluídos a caracterização do setor saneamento (água e resíduos sólidos), as políticas públicas envolvidas, os dados do IBGE de 2000, experiências relevantes identificadas nas empresas e diagnóstico das condições de segurança e saúde, visando situar o setor no contexto econômico nacional e instrumentalizar e justificar as ações de auditoria.
2º capítulo – Riscos no Setor Saneamento Básico e sua Prevenção – este capítulo relaciona os riscos ambientais identificados nas diversas
etapas/atividades/serviços do setor bem como recomenda as principais medidas de prevenção.
3º capítulo: A Terceirização e os Riscos no Trabalho.
4° capítulo – Recomendações – Finalizando o documento, apresenta-se modelos de check list de orientação para coleta de dados em empresas de saneamento, Notificação para apresentação de Documentos –NAD e Termo de Notificação para cumprimento das Normas Regulamentadoras da Portaria 3214/78.
Formula-se diversas proposições capazes de contribuir para o aprimoramento das condições de saúde e segurança no trabalho nesse ramo de atividade.

1° CAPÍTULO CENÁRIO E DIAGNÓSTICO DO SETOR SANEAMENTO BÁSICO
O saneamento ambiental é o conjunto de ações socioeconômicas que têm como objetivo alcançar números crescentes de salubridade ambiental, por intermédio de abastecimento de água potável; coleta e disposição sanitária de resíduos líquidos, sólidos e gasosos; promoção da disciplina sanitária no uso e ocupação do solo; drenagem; controle de vetores e reservatórios de doenças transmissíveis; melhorias sanitárias domiciliares; educação sanitária e ambiental e demais serviços especializados, com a finalidade de proteger e melhorar a condição de vida tanto nos  centros urbanos como nas comunidades rurais.
O campo saneamento básico contempla as ações no âmbito do abastecimento de água potável; coleta disposição e tratamento de resíduos sólidos, esgotamento sanitário, controle de vetores e drenagem urbana (águas pluviais).
Enquanto ramo de atividade, matéria deste trabalho, o setor saneamento básico foi entendido aqui como o grupo abrangendo as CNAE 41.00-9 – Captação, Tratamento e
Distribuição de Água e CNAE 90.00-0 – Limpeza Urbana e Esgoto. A CNAE 45.34-9 – Construção de Obras e Reparação do Meio Ambiente foi contemplado na medida em que enfatizar-se-á o processo de terceirização e a gestão de saúde e segurança das empresas contratantes (companhias estaduais e municipais de saneamento) sobre as contratadas (empreiteiras de construção civil e obras de construção, manutenção e extensão de redes e sistemas de abastecimento de água e esgotamento sanitário).
Cabe ressaltar que a captação, tratamento e distribuição de água e coleta e tratamento de esgoto (esgotamento sanitário) constituem etapas do saneamento freqüentemente executados por uma mesma empresa, a qual geralmente está codificada na CNAE 41.00-9.
Quanto à CNAE 90.00-0 – Limpeza Urbana e Esgoto, além das empresas responsáveis pela limpeza urbana e gerenciamento dos resíduos sólidos, estão cadastradas neste código empresas que desenvolvem atividades diversas tais como dedetização, conservação e limpeza, desentupimento de encanamentos, limpeza de piscinas, administração de condomínios, lava-jatos, dentre outras.
Foram objeto deste trabalho as empresas responsáveis pelo saneamento (captação, tratamento e distribuição de água e esgotamento sanitário) e as empresas responsáveis pela limpeza urbana, em geral empresas de maior porte, da âmbito municipal ou estadual, as quais têm concentrado maior número de acidentes de trabalho fatais e graves, portanto de maior prioridade para o desenvolvimento de ações de auditoria fiscal.
Os dados obtidos da RAIS referentes ao ano de 2000, dos 100 maiores estabelecimentos de empresas do país, com CNAE. 41.00-9 e dos 100 maiores estabelecimentos de empresas com CNAE 90.00-0 estão descritos nas Tabelas I e II, em anexo.

O Saneamento no Brasil
No Brasil, o desenvolvimento das ações de saneamento, historicamente, esteve vinculado aos aspectos econômicos, interesses dominantes, os quais foram os principais determinantes do caráter das ações coletivas, ou seja, não considerando de fato a superação das carências sociais do país. Isto determinou a exclusão de diversos segmentos da sociedade das políticas de saneamento, as quais predominaram nas áreas de interesse econômico. Assim, os investimentos prioritários no setor foram em abastecimento de água, em detrimento das ações menos lucrativas, o que fragmentou a visão do saneamento, se manifestando também institucionalmente em uma precária interação entre governos estaduais e os municípios (Rezende e Heller,2002).
A ausência de políticas públicas de saneamento no Brasil Colônia e metade do Império, relaciona-se aos padrões impostos pelos respectivos sistemas econômicos.
No Brasil Colônia foi fruto dos interesses da metrópole e as ações só visavam a garantia dos processos de produção, sendo as condições de vida bastante precárias, característica de uma colônia de exploração.
A partir do século XVIII, com o fenômeno de crescimento populacional, interiorização e início das aglomerações urbanas, as ações coletivas passaram a ampliar-se. Após a Revolução Industrial, foram estabelecidas ações coletivas de caráter público visando a manutenção e reprodução da força de trabalho. O país passou por importantes mudanças a partir de meados do século XIX, início de industrialização, mudança de sistema político, grande crescimento populacional e aglomeração urbana, imigração, epidemias e endemias, surgindo a consciência da interdependência social (todas as classes sociais expostas aos riscos de um ambiente insalubre) .
No fim do século XIX e início do século XX, o Estado começa a assumir os serviços de saneamento como atribuição do poder público e os transfere à iniciativa privada, em especial a empresas de capital inglês que tinham hegemonia no mercado brasileiro, com a criação de diversas companhias de água e esgoto pelo país. È o período também de formação da Engenharia Sanitária Nacional, já com técnicos atuando em diversas capitais. Foi um período de grande articulação entre saúde e saneamento.
Na primeira metade do século XX, instalam-se os serviços federais de
saneamento no nível estadual, passando a exercer um poder central e ampliando as ações públicas. Houve avanço importante do setor ao longo dos anos e alguns estados foram restabelecendo autonomia institucional e legislação própria, porém outros mantiveram os serviços sob responsabilidade da União.
A partir da década de 50 o setor saneamento passa a ter maior autonomia, evidenciando uma dicotomia entre saúde e saneamento, a saúde cursando um rumo de privatização e o saneamento se organizando em autarquias e empresas de economia mista.
Na da década de 1970, as políticas de saneamento intensificaram-se em razão das políticas de crescimento industrial e urbano, nos anos de governo militar. Foi a época do Plano Nacional de Saneamento (PLANASA), que reuniu recursos significativos do FGTS para o investimento em abastecimento de água e esgotamento sanitário, buscando responder ao crescimento da demanda por serviços. Este plano condicionava o repasse de recursos financeiros, à concessão pelos municípios dos serviços de água e esgoto às companhias estaduais de saneamento. Ocorreram melhorias no abastecimento de água para grande parcela da população urbana.
Porém como a lógica era a da auto-sustentação tarifária, as áreas onde o retorno do investimento era garantido foram priorizadas excluindo assim grande parte da população carente.
A coleta de esgotos foi englobada pelo PLANASA, porém as metas
estabelecidas de longe não foram alcançadas. A disposição final de resíduos sólidos e as obras de drenagem urbana e o controle de vetores continuaram a ser desempenhados pelos municípios e em alguns casos pela União, mas desvinculadas das ações realizadas pela Companhias Estaduais de Saneamento (Rezende e Heller,2002).
As origens da atual política privatista do setor estão no PLANASA, quando organiza-se a prestação de serviço de modo empresarial, enfocando a economia de escala e o comando centralizado, com a criação das companhias estaduais, na forma de empresas de economia mista.

No governo Collor é editado o Programa de Modernização do Setor
Saneamento, financiado pelo Banco Mundial, que vem dar suporte técnico à política de entrada de capital privado no controle das operadoras. A partir 1998, com o agravamento da crise do modelo neoliberal, a privatização é colocada com maior ênfase, com a suspensão do financiamento com recursos do FGTS para órgãos públicos, incluindo as companhias estaduais e municipais de saneamento.
Atualmente, encontra-se em exame pelo Congresso Nacional o projeto de lei PL 4147/01, de origem do executivo federal e que versa sobre as diretrizes nacionais para a prestação, regulação e a fiscalização dos serviços de saneamento. Um dos postos polêmicos, diz respeito à titularidade dos serviços e sua divisão em etapas.
Segundo o projeto a titularidade deveria ser transferida dos municípios para os estados (em que está clara a intenção de dispensar a necessidade de negociar a renovação dos contratos de concessão dos municípios às companhias estaduais e reagregar valor de venda às mesmas, valor esse perdido em função do esgotamento
das concessões originadas no PLANASA). Já seu substitutivo altera esta questão, passando a titularidade ao município, quando houver interesse e ao estado quando o interesse for comum, como no caso das regiões metropolitanas. O substitutivo cria regulação e fiscalização para o setor, estabelece as bases de uma política nacional.
São críticas a este projeto de lei, a explícita abertura para a privatização do sistema de saneamento, possibilitando até uma privatização de forma perversa, que manteria o setor deficitário (coleta e tratamento de esgoto) com o poder público e o setor lucrativo (abastecimento de água) com a iniciativa privada. Esta abertura chocase com uma proposta coerente de política pública, inviabilizando a universalização do acesso da população aos serviços de saneamento.
O conceito restrito de saneamento com que o PL4147/01 opera, a exclusão do meio rural como prioridade, a visão de mercado imbutida e o privilegio do empreendimento financeiro sobre a política pública são também argumentos contra o projeto. O substitutivo a esse projeto também tem sido criticado na medida em que  mantém o entendimento de que a água é um bem econômico e não um bem fundamental, não contempla a participação de trabalhadores ou qualquer discussão de aspectos da saúde do trabalhador.
Outro projeto de lei que encontra-se em discussão é PL203/91 e seu
substitutivo, os quais instituem uma política nacional de resíduos sólidos, seus princípios, objetivos e instrumentos e estabelece diretrizes e normas de ordem pública e interesse social para o gerenciamento dos diferentes tipos de resíduos sólidos. À estas propostas de lei, o Fórum Nacional Lixo e Cidadania faz as seguintes críticas: o fato de ser uma lei isolada que não permite uma visão integrada, induzindo uma  implementação e regulação desarticulada com os demais aspectos do saneamento ambiental, dificultando uma política nacional; não possibilita meios concretos para erradicar o trabalho infanto-juvenil nos lixões, pois não incorpora metas para a
reciclagem e para o fim dos lixões, bem como não estipula responsabilidades específicas para o setor público, o setor industrial nem induz formas de participação e controle social.
Segundo o Fórum Nacional Lixo e Cidadania, a proposta não responsabiliza adequadamente os geradores de resíduos considerados mais nocivos ao meio ambiente e à saúde pública; procura definir tecnologias para tratamento de resíduos sólidos, as quais por estarem em constante evolução seriam prioritariamente matéria de normas técnicas; proíbe os aterros sanitários de receber resíduos de serviços de saúde sem haver embasamento técnico para isso; não considera a minimização da geração de resíduos como um objetivo; cria fundo nacional de financiamento, sem contemplar a participação financeira do setor produtivo gerador de resíduos especiais; condiciona a liberação de recursos a critérios impraticáveis; obriga os usuários a
separar os resíduos, quando só 10% dos municípios brasileiros têm algum tipo de coleta seletiva; também não contempla questões de saúde do trabalhador.

No cenário do saneamento hoje, vislumbram-se diferentes possibilidades, sendo que o rumo da política nacional no setor se definirá em função de alguns temas tais como: o papel do município, a titularidade dos serviços nos aglomerados metropolitanos, a transformação das Companhias Estaduais, a ação das empresas privadas, o controle social, dentre outros.
A saúde humana está determinada pelas condições de salubridade do
ambiente urbano e rural. Ao direito à saúde e à dignidade humana está incorporado o direito a viver em um ambiente saudável, o que pressupõe a promoção do saneamento ambiental, com a universalização do direito de acesso aos serviços públicos, com equidade, participação popular e controle social. Estas são, afirmações contidas na Carta Aberta em Defesa do Saneamento Ambiental como Direito Humano Fundamental do II Fórum Social Mundial – Porto Alegre/2002.
O Fórum Social Mundial faz referência em seu documento, à retirada de recursos públicos para o financiamento de ações de saneamento ambiental, como imposição das medidas de ajuste estrutural e pelo crescente e insuportável peso dos serviços da dívida externa, o que vem excluindo do direito à saúde parcelas crescentes da população, sendo as principais vítimas, os grupos mais vulneráveis, as crianças e os idosos.
A necessidade de uma promoção de níveis crescentes de salubridade
ambiental deve resultar em política pública de saneamento construída socialmente e que oriente as ações nas áreas de desenvolvimento territorial, habitação, abastecimento de água e esgotamento sanitário, de resíduos sólidos, de drenagem urbana, de proteção contra inundações e de controle de vetores no meio urbano e rural – articulada com as políticas setoriais de saúde pública, de educação, de desenvolvimento urbano, de proteção ambiental e gestão de recursos naturais.
A carta do Fórum Social Mundial acentua que “a aplicação de princípios econômicos derivados da ideologia do mercado e da lógica do capital são inadequados para a formulação de políticas públicas para o saneamento ambiental, na perspectiva da inclusão social e da sustentabilidade ao longo do tempo”.

Saúde e Saneamento:
Os registros oficiais sobre saúde refletem dados da demanda atendida pelo Sistema Único de Saúde, tendendo subestimar assim a incidência de diversos agravos à saúde que não chegaram a ser assistidos, tais como diversas doenças de veiculação hídrica e diretamente ligadas a falta de infra-estrutura de saneamento, dentre elas diarréias e helmintíases.
A despeito dessa fragilidade dos registros, os dados são alarmantes. No período de 1995 a 1999, o total de internações hospitalares provocadas por doenças relacionadas com deficiência de saneamento alcançou a casa dos 3,4 milhões, sendo que 44,6% das internações ocorreram na região nordeste. Foram também responsáveis, esses eventos, por cerca de 80% das consultas médicas pediátricas.
Entre 1995 a 1998 foram registrados 24.396 óbitos de crianças de 0 a 5 anos causadas por doenças de veiculação hídrica, sendo que 52, 18% dos casos, ocorreram na região Nordeste.
Há estudos revelando que essas doenças representam cerca de 32% do total de internações e 19 % dos gastos totais no ano de 1990. Segundo a OMS a implantação de infra-estrutura de saneamento pode reduzir a morbidade em 80% dos casos de febre tifóide e paratifóide; 60% dos casos de esquistossomose; 50% dos casos de disenteria bacilar, amebiase, gastroenterite e infecções cutâneas.
Evidencia-se assim a relevância das ações de saneamento para o controle de doenças, redução da mortalidade por doenças evitáveis, especialmente na população infantil, redução do sofrimento humano e melhoria da qualidade de vida. Saneamento é saúde.

Os Números do Saneamento
A Pesquisa Nacional de Saneamento Básico – PNSB – realizada pelo IBGE em 2000, mostra números relativos aos serviços de redes de água, serviços de limpeza e coleta de lixo, drenagem urbana nos diversos municípios do Brasil.
Na década de 70, a população urbana era de 45% a 50% do total de
habitantes; já no ano 2000, esse número passou para 85% a 90%. Há uma diferença de 90 milhões de pessoas em apenas três décadas. Mas, enquanto em 30 anos os índices populacionais dobraram, o atendimento com saneamento quadruplicou: em 1970, cerca de 45% da população era atendida com água tratada e cerca de 20% contava com serviços de esgotos. Em 2000, 90% da população urbana passou a receber água tratada e cerca de 50%, a contar com sistema público de esgotos.
Quando fala-se em população rural apenas 20% dela é atendida com água de boa qualidade, enquanto que os índices de coleta de esgoto não ultrapassam os 3,5%.
Para quem defende a universalização do saneamento há um grande desafio a ser vencido. Somos 22,1 milhões de habitantes sem acesso a água de boa qualidade e 39,1 milhões sem esgoto sanitário.

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