APRESENTAÇÃO
Considerando o pouco acúmulo de informações em relação ao setor de saneamento
básico no que se refere às condições de trabalho, aos impactos sobre a saúde, à
exposição aos riscos, às políticas e gestão de segurança e saúde no trabalho, à
magnitude dos problemas a serem enfrentados, como também a escassa experiência
de fiscalização do setor, foi um Grupo Especial de Apoio à Fiscalização –
GEAF, com ênfase em saneamento e urbanismo, incumbido de realizar o
diagnóstico das condições de segurança e saúde no trabalho e elaborar Manual de
Procedimentos para orientação dos Auditores Fiscais do Trabalho - AFT em suas
ações de auditoria.
O presente Manual de Procedimentos - MP objetiva orientar e subsidiar o
AFT na realização de auditoria no setor de saneamento básico para otimizar os
resultados pretendidos. Propõe uma metodologia de auditoria fiscal para o setor
que seja ao mesmo tempo uma intervenção fiscal efetiva e eficaz e que contribua
para o
aprimoramento das condições de segurança e saúde no trabalho.
Para a leitura e utilização deste Manual de Procedimentos é
pré-requisito conhecer a discussão já acumulada pelo Ministério do Trabalho e
Emprego – MTE sobre auditoria estratégica, constante no documento “Proposta de
Protocolo de Auditoria-Fiscal do Trabalho em Empresas de Grande Porte”.
Nos trabalhos preliminares do desenvolvimento deste manual pudemos verificar
que no setor saneamento não caberá outra metodologia de abordagem das empresas
senão aquela cunhada com aspectos de auditoria estratégica.
Vinculados a este Manual de Procedimentos devem estar a garantia de condições
materiais para a realização de auditoria e a inclusão desse ramo de atividade
no planejamento do Departamento de Segurança e Saúde no Trabalho – DSST
Para melhor aproveitamento, o documento foi dividido em capítulos:
1° capítulo - Cenário e diagnóstico do Setor Saneamento Básico – Neste módulo
foram incluídos a caracterização do setor saneamento (água e resíduos sólidos),
as políticas públicas envolvidas, os dados do IBGE de 2000, experiências relevantes
identificadas nas empresas e diagnóstico das condições de segurança e saúde,
visando situar o setor no contexto econômico nacional e instrumentalizar e justificar
as ações de auditoria.
2º capítulo – Riscos no Setor Saneamento Básico e sua Prevenção – este capítulo
relaciona os riscos ambientais identificados nas diversas
etapas/atividades/serviços do setor bem como recomenda as principais
medidas de prevenção.
3º capítulo: A Terceirização e os Riscos no Trabalho.
4° capítulo – Recomendações – Finalizando o documento, apresenta-se modelos
de check list de orientação para coleta de dados em empresas de saneamento,
Notificação para apresentação de Documentos –NAD e Termo de Notificação para
cumprimento das Normas Regulamentadoras da Portaria 3214/78.
Formula-se diversas proposições capazes de contribuir para o
aprimoramento das condições de saúde e segurança no trabalho nesse ramo de
atividade.
1° CAPÍTULO CENÁRIO E DIAGNÓSTICO DO SETOR SANEAMENTO BÁSICO
O saneamento ambiental é o conjunto de ações socioeconômicas que têm como
objetivo alcançar números crescentes de salubridade ambiental, por intermédio de
abastecimento de água potável; coleta e disposição sanitária de resíduos
líquidos, sólidos e gasosos; promoção da disciplina sanitária no uso e ocupação
do solo; drenagem; controle de vetores e reservatórios de doenças
transmissíveis; melhorias sanitárias domiciliares; educação sanitária e
ambiental e demais serviços especializados, com a finalidade de proteger e
melhorar a condição de vida tanto nos centros
urbanos como nas comunidades rurais.
O campo saneamento básico contempla as ações no âmbito do abastecimento de
água potável; coleta disposição e tratamento de resíduos sólidos, esgotamento sanitário,
controle de vetores e drenagem urbana (águas pluviais).
Enquanto ramo de atividade, matéria deste trabalho, o setor saneamento básico
foi entendido aqui como o grupo abrangendo as CNAE 41.00-9 – Captação, Tratamento
e
Distribuição de Água e CNAE 90.00-0 – Limpeza Urbana e Esgoto. A CNAE
45.34-9 – Construção de Obras e Reparação do Meio Ambiente foi contemplado na
medida em que enfatizar-se-á o processo de terceirização e a gestão de saúde e
segurança das empresas contratantes (companhias estaduais e municipais de
saneamento) sobre as contratadas (empreiteiras de construção civil e obras de
construção, manutenção e extensão de redes e sistemas de abastecimento de água
e esgotamento sanitário).
Cabe ressaltar que a captação, tratamento e distribuição de água e
coleta e tratamento de esgoto (esgotamento sanitário) constituem etapas do
saneamento freqüentemente executados por uma mesma empresa, a qual geralmente
está codificada na CNAE 41.00-9.
Quanto à CNAE 90.00-0 – Limpeza Urbana e Esgoto, além das empresas responsáveis
pela limpeza urbana e gerenciamento dos resíduos sólidos, estão cadastradas
neste código empresas que desenvolvem atividades diversas tais como dedetização,
conservação e limpeza, desentupimento de encanamentos, limpeza de piscinas,
administração de condomínios, lava-jatos, dentre outras.
Foram objeto deste trabalho as empresas responsáveis pelo saneamento (captação,
tratamento e distribuição de água e esgotamento sanitário) e as empresas responsáveis
pela limpeza urbana, em geral empresas de maior porte, da âmbito municipal ou
estadual, as quais têm concentrado maior número de acidentes de trabalho fatais
e graves, portanto de maior prioridade para o desenvolvimento de ações de
auditoria fiscal.
Os dados obtidos da RAIS referentes ao ano de 2000, dos 100 maiores estabelecimentos
de empresas do país, com CNAE. 41.00-9 e dos 100 maiores estabelecimentos de
empresas com CNAE 90.00-0 estão descritos nas Tabelas I e II, em anexo.
O Saneamento no Brasil
No Brasil, o desenvolvimento das ações de saneamento, historicamente, esteve
vinculado aos aspectos econômicos, interesses dominantes, os quais foram os principais
determinantes do caráter das ações coletivas, ou seja, não considerando de fato
a superação das carências sociais do país. Isto determinou a exclusão de diversos
segmentos da sociedade das políticas de saneamento, as quais predominaram nas
áreas de interesse econômico. Assim, os investimentos prioritários no setor
foram em abastecimento de água, em detrimento das ações menos lucrativas, o que
fragmentou a visão do saneamento, se manifestando também institucionalmente em
uma precária interação entre governos estaduais e os municípios (Rezende e Heller,2002).
A ausência de políticas públicas de saneamento no Brasil Colônia e
metade do Império, relaciona-se aos padrões impostos pelos respectivos sistemas
econômicos.
No Brasil Colônia foi fruto dos interesses da metrópole e as ações só
visavam a garantia dos processos de produção, sendo as condições de vida
bastante precárias, característica de uma colônia de exploração.
A partir do século XVIII, com o fenômeno de crescimento populacional, interiorização
e início das aglomerações urbanas, as ações coletivas passaram a ampliar-se.
Após a Revolução Industrial, foram estabelecidas ações coletivas de caráter
público visando a manutenção e reprodução da força de trabalho. O país passou
por importantes mudanças a partir de meados do século XIX, início de industrialização,
mudança de sistema político, grande crescimento populacional e aglomeração
urbana, imigração, epidemias e endemias, surgindo a consciência da interdependência
social (todas as classes sociais expostas aos riscos de um ambiente insalubre)
.
No fim do século XIX e início do século XX, o Estado começa a assumir os
serviços de saneamento como atribuição do poder público e os transfere à
iniciativa privada, em especial a empresas de capital inglês que tinham
hegemonia no mercado brasileiro, com a criação de diversas companhias de água e
esgoto pelo país. È o período também de formação da Engenharia Sanitária
Nacional, já com técnicos atuando em diversas capitais. Foi um período de
grande articulação entre saúde e saneamento.
Na primeira metade do século XX, instalam-se os serviços federais de
saneamento no nível estadual, passando a exercer um poder central e
ampliando as ações públicas. Houve avanço importante do setor ao longo dos anos
e alguns estados foram restabelecendo autonomia institucional e legislação
própria, porém outros mantiveram os serviços sob responsabilidade da União.
A partir da década de 50 o setor saneamento passa a ter maior autonomia,
evidenciando uma dicotomia entre saúde e saneamento, a saúde cursando um rumo de
privatização e o saneamento se organizando em autarquias e empresas de economia
mista.
Na da década de 1970, as políticas de saneamento intensificaram-se em
razão das políticas de crescimento industrial e urbano, nos anos de governo
militar. Foi a época do Plano Nacional de Saneamento (PLANASA), que reuniu
recursos significativos do FGTS para o investimento em abastecimento de água e
esgotamento sanitário, buscando responder ao crescimento da demanda por
serviços. Este plano condicionava o repasse de recursos financeiros, à concessão
pelos municípios dos serviços de água e esgoto às companhias estaduais de
saneamento. Ocorreram melhorias no abastecimento de água para grande parcela da
população urbana.
Porém como a lógica era a da auto-sustentação tarifária, as áreas onde o
retorno do investimento era garantido foram priorizadas excluindo assim grande
parte da população carente.
A coleta de esgotos foi englobada pelo PLANASA, porém as metas
estabelecidas de longe não foram alcançadas. A disposição final de
resíduos sólidos e as obras de drenagem urbana e o controle de vetores
continuaram a ser desempenhados pelos municípios e em alguns casos pela União,
mas desvinculadas das ações realizadas pela Companhias Estaduais de Saneamento
(Rezende e Heller,2002).
As origens da atual política privatista do setor estão no PLANASA,
quando organiza-se a prestação de serviço de modo empresarial, enfocando a
economia de escala e o comando centralizado, com a criação das companhias
estaduais, na forma de empresas de economia mista.
No governo Collor é editado o Programa de Modernização do Setor
Saneamento, financiado pelo Banco Mundial, que vem dar suporte técnico à
política de entrada de capital privado no controle das operadoras. A partir
1998, com o agravamento da crise do modelo neoliberal, a privatização é
colocada com maior ênfase, com a suspensão do financiamento com recursos do
FGTS para órgãos públicos, incluindo as companhias estaduais e municipais de
saneamento.
Atualmente, encontra-se em exame pelo Congresso Nacional o projeto de lei
PL 4147/01, de origem do executivo federal e que versa sobre as diretrizes
nacionais para a prestação, regulação e a fiscalização dos serviços de
saneamento. Um dos postos polêmicos, diz respeito à titularidade dos serviços e
sua divisão em etapas.
Segundo o projeto a titularidade deveria ser transferida dos municípios
para os estados (em que está clara a intenção de dispensar a necessidade de
negociar a renovação dos contratos de concessão dos municípios às companhias
estaduais e reagregar valor de venda às mesmas, valor esse perdido em função do
esgotamento
das concessões originadas no PLANASA). Já seu substitutivo altera esta
questão, passando a titularidade ao município, quando houver interesse e ao
estado quando o interesse for comum, como no caso das regiões metropolitanas. O
substitutivo cria regulação e fiscalização para o setor, estabelece as bases de
uma política nacional.
São críticas a este projeto de lei, a explícita abertura para a
privatização do sistema de saneamento, possibilitando até uma privatização de
forma perversa, que manteria o setor deficitário (coleta e tratamento de
esgoto) com o poder público e o setor lucrativo (abastecimento de água) com a
iniciativa privada. Esta abertura chocase com uma proposta coerente de política
pública, inviabilizando a universalização do acesso da população aos serviços
de saneamento.
O conceito restrito de saneamento com que o PL4147/01 opera, a exclusão
do meio rural como prioridade, a visão de mercado imbutida e o privilegio do empreendimento
financeiro sobre a política pública são também argumentos contra o projeto. O
substitutivo a esse projeto também tem sido criticado na medida em que mantém o entendimento de que a água é um bem
econômico e não um bem fundamental, não contempla a participação de
trabalhadores ou qualquer discussão de aspectos da saúde do trabalhador.
Outro projeto de lei que encontra-se em discussão é PL203/91 e seu
substitutivo, os quais instituem uma política nacional de resíduos sólidos,
seus princípios, objetivos e instrumentos e estabelece diretrizes e normas de
ordem pública e interesse social para o gerenciamento dos diferentes tipos de
resíduos sólidos. À estas propostas de lei, o Fórum Nacional Lixo e Cidadania
faz as seguintes críticas: o fato de ser uma lei isolada que não permite uma
visão integrada, induzindo uma implementação
e regulação desarticulada com os demais aspectos do saneamento ambiental,
dificultando uma política nacional; não possibilita meios concretos para erradicar
o trabalho infanto-juvenil nos lixões, pois não incorpora metas para a
reciclagem e para o fim dos lixões, bem como não estipula
responsabilidades específicas para o setor público, o setor industrial nem
induz formas de participação e controle social.
Segundo o Fórum Nacional Lixo e Cidadania, a proposta não responsabiliza
adequadamente os geradores de resíduos considerados mais nocivos ao meio ambiente
e à saúde pública; procura definir tecnologias para tratamento de resíduos sólidos,
as quais por estarem em constante evolução seriam prioritariamente matéria de
normas técnicas; proíbe os aterros sanitários de receber resíduos de serviços
de saúde sem haver embasamento técnico para isso; não considera a minimização
da geração de resíduos como um objetivo; cria fundo nacional de financiamento,
sem contemplar a participação financeira do setor produtivo gerador de resíduos
especiais; condiciona a liberação de recursos a critérios impraticáveis; obriga
os usuários a
separar os resíduos, quando só 10% dos municípios brasileiros têm algum
tipo de coleta seletiva; também não contempla questões de saúde do trabalhador.
No cenário do saneamento hoje, vislumbram-se diferentes possibilidades, sendo
que o rumo da política nacional no setor se definirá em função de alguns temas tais
como: o papel do município, a titularidade dos serviços nos aglomerados metropolitanos,
a transformação das Companhias Estaduais, a ação das empresas privadas, o
controle social, dentre outros.
A saúde humana está determinada pelas condições de salubridade do
ambiente urbano e rural. Ao direito à saúde e à dignidade humana está
incorporado o direito a viver em um ambiente saudável, o que pressupõe a
promoção do saneamento ambiental, com a universalização do direito de acesso
aos serviços públicos, com equidade, participação popular e controle social.
Estas são, afirmações contidas na Carta Aberta em Defesa do Saneamento
Ambiental como Direito Humano Fundamental do II Fórum Social Mundial – Porto
Alegre/2002.
O Fórum Social Mundial faz referência em seu documento, à retirada de recursos
públicos para o financiamento de ações de saneamento ambiental, como imposição
das medidas de ajuste estrutural e pelo crescente e insuportável peso dos serviços
da dívida externa, o que vem excluindo do direito à saúde parcelas crescentes
da população, sendo as principais vítimas, os grupos mais vulneráveis, as crianças
e os idosos.
A necessidade de uma promoção de níveis crescentes de salubridade
ambiental deve resultar em política pública de saneamento construída
socialmente e que oriente as ações nas áreas de desenvolvimento territorial,
habitação, abastecimento de água e esgotamento sanitário, de resíduos sólidos,
de drenagem urbana, de proteção contra inundações e de controle de vetores no
meio urbano e rural – articulada com as políticas setoriais de saúde pública,
de educação, de desenvolvimento urbano, de proteção ambiental e gestão de
recursos naturais.
A carta do Fórum Social Mundial acentua que “a aplicação de princípios econômicos
derivados da ideologia do mercado e da lógica do capital são inadequados para a
formulação de políticas públicas para o saneamento ambiental, na perspectiva da
inclusão social e da sustentabilidade ao longo do tempo”.
Saúde e Saneamento:
Os registros oficiais sobre saúde refletem dados da demanda atendida
pelo Sistema Único de Saúde, tendendo subestimar assim a incidência de diversos
agravos à saúde que não chegaram a ser assistidos, tais como diversas doenças
de veiculação hídrica e diretamente ligadas a falta de infra-estrutura de
saneamento, dentre elas diarréias e helmintíases.
A despeito dessa fragilidade dos registros, os dados são alarmantes. No período
de 1995 a 1999, o total de internações hospitalares provocadas por doenças relacionadas
com deficiência de saneamento alcançou a casa dos 3,4 milhões, sendo que 44,6%
das internações ocorreram na região nordeste. Foram também responsáveis, esses
eventos, por cerca de 80% das consultas médicas pediátricas.
Entre 1995 a 1998 foram registrados 24.396 óbitos de crianças de 0 a 5
anos causadas por doenças de veiculação hídrica, sendo que 52, 18% dos casos, ocorreram
na região Nordeste.
Há estudos revelando que essas doenças representam cerca de 32% do total
de internações e 19 % dos gastos totais no ano de 1990. Segundo a OMS a implantação
de infra-estrutura de saneamento pode reduzir a morbidade em 80% dos casos de
febre tifóide e paratifóide; 60% dos casos de esquistossomose; 50% dos casos de
disenteria bacilar, amebiase, gastroenterite e infecções cutâneas.
Evidencia-se assim a relevância das ações de saneamento para o controle
de doenças, redução da mortalidade por doenças evitáveis, especialmente na
população infantil, redução do sofrimento humano e melhoria da qualidade de
vida. Saneamento é saúde.
Os Números do Saneamento
A Pesquisa Nacional de Saneamento Básico – PNSB – realizada pelo IBGE em
2000, mostra números relativos aos serviços de redes de água, serviços de
limpeza e coleta de lixo, drenagem urbana nos diversos municípios do Brasil.
Na década de 70, a população urbana era de 45% a 50% do total de
habitantes; já no ano 2000, esse número passou para 85% a 90%. Há uma
diferença de 90 milhões de pessoas em apenas três décadas. Mas, enquanto em 30
anos os índices populacionais dobraram, o atendimento com saneamento
quadruplicou: em 1970, cerca de 45% da população era atendida com água tratada
e cerca de 20% contava com serviços de esgotos. Em 2000, 90% da população
urbana passou a receber água tratada e cerca de 50%, a contar com sistema
público de esgotos.
Quando fala-se em população rural apenas 20% dela é atendida com água de
boa qualidade, enquanto que os índices de coleta de esgoto não ultrapassam os
3,5%.
Para quem defende a universalização do saneamento há um grande desafio a
ser vencido. Somos 22,1 milhões de habitantes sem acesso a água de boa
qualidade e 39,1 milhões sem esgoto sanitário.
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