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segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Panorama Energético

Água e energia são dois dos problemas básicos que irão influenciar nesse início do terceiro milênio, direta ou indiretamente, a vida dos cerca de sete bilhões de habitantes do planeta, já que deles, ou da interação de ambos, derivam alguns dos insumos fundamentais, que além do ar, sustentam a vida sobre a Terra. O Brasil, embora detendo 12% de toda a água doce do mundo, superfície e insolação capazes de absorver o equivalente a 1250 TW/dia, não está imune a esses problemas como o testemunham as distintas crises energéticas das últimas décadas, as secas, as enchentes periódicas, o risco de desabastecimento como verificado também recentemente, o ainda precário sistema de atendimento das necessidades básicas de suprimento de água e saneamento da população e o elevado custo da energia que lhe comprometem a competitividade e o crescimento econômico.  No campo energético, o país vive atualmente uma encruzilhada de difíceis escolhas que, se devidamente equacionada; poderia ser também oportunidade valiosa para o futuro. a) De um lado, a recuperação de sua maior vantagem competitiva, que é o seu potencial hidrelétrico, o qual está sendo gradualmente erodido pelas usinas a fio d’água ora em construção que têm o objetivo de reduzir as áreas inundadas, de pequena representatividade no contexto global (os reservatórios existentes ocupam apenas 0,42% da superfície do país). Com isso a capacidade de armazenamento de energia do sistema elétrico caiu nos últimos anos do equivalente a cerca de seis meses da demanda elétrica total para menos de 3,5 meses e o aproveitamento da energia hídrica dessas usinas poderá se situar na faixa de apenas 24% da MLT (vazão média de longo termo 1931/2006).  Por seu turno as usinas com reservatório permitem índices de aproveitamento dos rios (MLT) acima de 50% e energia proporcionalmente mais barata, além de promoverem a regulação plurianual dos fluxos hídricos garantindo o aumento da energia “firme” das usinas, a perenização dos cursos d’água, a navegação fluvial, o abastecimento das cidades, a piscicultura, as atividades turísticas, a prevenção de enchentes evitando o desperdício, a esterilização dos recursos hídricos da nação e o caro acionamento periódico das usinas térmicas com o consequente acréscimo de custos, poluição e “stress” de todo o sistema elétrico nacional.  b) No que se refere ao gás natural (GN), que poderia ser um valioso coadjuvante para aumento da segurança energética, da competitividade da indústria e maior inserção de energias renováveis sazonais e intermitentes na matriz (eólica, solar, biomassa etc.), a sua produção continua incipiente, insuficiente e cara para satisfazer a demanda reprimida do país (Brasil, 10,3%; Estados Unidos, 27,2%; Europa, 34,4%; Argentina, 51%; Mundo, 23,8%). Como é sabido, o GN é um energético “nobre”, versátil, ambientalmente amigável e de elevado poder calorífico, que poderá ampliar sua presença na matriz, principalmente na cogeração e na produção de insumos para as indústrias químicas, petroquímicas ou de fertilizantes para a agricultura – ainda hoje em grande parte importados –, ou para agregar valor e qualidade às indústrias de cerâmica e vidro onde a energia responde por cerca de 25% dos custos de produção. Tecnicamente o GN pode ser transportado desde as fontes de produção remotas até os centros de consumo, de distintas maneiras: (1) como molécula de GN, através de gasodutos ou comprimido sob alta pressão – o GNC; (2) transformado em hidrocarbonetos sintéticos líquidos (GTL) – nafta, metanol, amônia, ureia, diesel sintético etc.; (3) transformado em energia elétrica (kWh) em centrais eficientes (60%) de ciclo combinado (turbinas a gás e a vapor) e transportado, via linhas de transmissão, como, aliás, foi sugerido recentemente pela própria presidente Dilma Rousseff; (4) liquefeito, à baixa temperatura – GNL (-163ºC), em navios metaneiros. Segundo o último Boletim da ANP Agência Nacional do Petróleo, em março de 2013 o Brasil produziu 77 milhões de metros cúbicos por dia (MMm³/d) de GN (66% de gás associado ao petróleo e 34% de gás não associado - Mexilhão: 6 MMm³/d), dos quais cerca de 4 milhões foram queimados nas plataformas, 9 milhões injetados de volta aos poços, 10 milhões consumidos internamente e apenas 54 milhões disponibilizados para o mercado nacional. Também em março de 2013 o Brasil importou GN da Bolívia e GNL de várias origens, num montante de 48,8 MMm³/dia ao preço médio de US$ 12/MMBTu (milhão de BTu-British Thermal Unit) totalizando dispêndios de 662 milhões de dólares no mês (ANP). Paralelamente os Estados Unidos, que consomem cerca de 1 800 MMm³/d de GN implementaram a partir de 2005 a nova tecnologia do gás de xisto que hoje já supre 23% da demanda de GN do país, devendo alcançar 50% em 2035, quando a demanda total atingirá cerca de 2 200 MMm³/d graças à participação de milhares de produtores independentes, uma rede de gasodutos de cerca de 355.000 quilômetros e reservas estimadas que cobrem a demanda atual dos norte-americanos por cerca de 100 anos (AIE). A concorrência baixou os preços do GN no mercado americano para cerca de US$ 3,5/MMBTu e deu origem a uma revolução silenciosa no mercado mundial de energia provocando a redução nos preços do carvão e de outras fontes primárias, dos créditos de carbono e até do petróleo. Hoje os Estados Unidos exportam quantidades crescentes de carvão para a Europa que voltou a acionar suas antigas usinas termelétricas e mesmo algumas novas alimentadas por esse combustível, forçando a paralisação de várias das modernas usinas abastecidas com GN da Rússia, que se tornaram menos competitivas. Com isso os Estados Unidos voltaram a se tornar um mercado atraente especialmente para as grandes indústrias que dependem dos custos da energia para sua produção, como é o caso da química, petroquímica, alumínio, cerâmica etc., podendo afetar a atratividade do Brasil para os capitais reprodutivos – e não apenas para os especulativos – e causar desindustrialização crescente e maior dificuldade para a captação de recursos para programas importantes e até mesmo para o pré-sal que deverá mobilizar toda a capacidade técnica e financeira da Petrobras no próximo futuro, como operadora obrigatória do mesmo. Segundo alguns especialistas a eventual exploração do gás de xisto no Brasil poderá demorar de 10 a 15 anos, prazo incompatível com as urgências do país. E uma das maneiras de obviar o problema seria a aquisição das tecnologias já existentes com a captação de capitais privados, tanto do país quanto do exterior, e a colocação em marcha de um programa específico e definido de metas e prazos, com o apoio político e financeiro do governo. Parece auspicioso que o tema conste da agenda da próxima visita da presidente Dilma Rousseff aos Estados Unidos, como noticiado pelos jornais, e que o encontro permita a maturação de um acordo concreto sobre tão importante assunto. Fonte: Revista Engenharia nº 615, Anto 70, págs. 29 e 30, 2013 Sobre o autor: Miracyr Assis Marcato é engenheiro eletricista, consultor, diretor de Relações Internacionais e do Departamento de Engenharia de Energia e Telecomunicações do Instituto de Engenharia – Membro da CIGRÉ e Senior Life Member do IEEE. 

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