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terça-feira, 9 de outubro de 2012

Conclusão do Julgamento do Mensalão pode dar início a uma reconfiguração da luta política no país


Escrito por Paulo Passarinho
 
Aparentemente, estarei me afastando dos temas relativos aos caminhos da economia brasileira, assunto que me estimula a escrever regularmente artigos que generosamente são publicados por alguns veículos, e especialmente lidos por alguns não menos generosos, e tolerantes, leitores.
Sinto-me obrigado a me posicionar sobre esse rumoroso julgamento do STF, relativo à Ação Penal 470, também conhecido – para o bem ou para o mal, dependendo de cada um – como “mensalão”. E, por incrível que pareça, esse meu sentimento está relacionado, também, às minhas preocupações, e posições, em relação a nossa situação econômica.
Como todos sabemos, ou deveríamos não esquecer, esse caso veio à tona e se transformou em uma verdadeira crise política quando Roberto Jefferson, deputado e presidente do PTB, em 2005, denunciou a suposta existência de um chamado “mensalão” – pagamento em dinheiro a parlamentares – para angariar apoio de deputados federais ao governo Lula e aos seus projetos. Roberto Jefferson não era, então, um adversário de Lula; ao contrário, era naquela ocasião um dos mais destacados defensores e entusiastas do governo presidido pelo ex-metalúrgico.
Depois de um período de silêncio, o próprio Lula veio a público – através de um programa dominical de grande audiência da TV Globo, ao qual foi concedida uma entrevista exclusiva – declarar que os recursos financeiros do esquema denunciado eram “sobras” de campanhas eleitorais, oriundas do caixa dois das mesmas. Na oportunidade, o presidente, visivelmente constrangido, admitia ter sido enganado por pessoas de sua confiança, sem, contudo, nomeá-las.
Algumas das consequências desse caso também são bastante conhecidas. José Dirceu, chefe da Casa Civil e principal articulador do governo, foi afastado do seu cargo e, como deputado federal eleito, voltou à Câmara para se defender das acusações de Roberto Jefferson, que o apontava como o comandante e mentor intelectual de todo o esquema denunciado, ao mesmo tempo em que fazia questão de inocentar Lula de toda e qualquer suspeita de envolvimento com os fatos por ele denunciados.
Na CPMI dos Correios, criada para a investigação do caso, outras denúncias muito graves de crimes eleitorais surgiram. Como, por exemplo, o publicitário malufista Duda Mendonça, que havia sido o marqueteiro de Lula em sua campanha presidencial de 2002, ter admitido que parte do pagamento pelos seus serviços prestados foi realizado em um paraíso fiscal nas Bahamas.
Foi o momento mais tenso do primeiro mandato de Lula, quando setores da oposição chegaram a admitir inclusive a possibilidade da abertura de um processo de impedimento formal do presidente. A ideia não progrediu, até porque vários setores da própria elite dominante deixaram claro que qualquer risco ao mandato presidencial não seria conveniente. Até mesmo duas curiosas visitas, justamente naquele período, foram bastante simbólicas. John Snow, secretário do Tesouro Americano, por aqui apareceu, para uma inesperada reunião com um chamado Grupo Brasil-Estados Unidos para o Crescimento; e o próprio George Bush resolveu fazer uma visita a Lula, com direito a um churrasco de fim de semana na Granja do Torto. Coincidências à parte, o fato é que a ideia do impedimento foi abortada.
Dentro do próprio PT, resistências se esboçaram, com a criação, por exemplo, de um movimento autonomeado Refundação, integrado, dentre outros, pelo atual governador do Rio Grande do Sul e pelo atual ministro da Justiça.
Tudo isso é importante de ser recordado, neste momento em que nos aproximamos do momento mais delicado do julgamento do STF, quando os dirigentes políticos do PT, tendo à frente José Dirceu, terão os seus destinos definidos pelos ministros juízes.
Há uma evidente tensão no ar. Dentro do próprio Plenário do Supremo, os ministros relator e revisor do processo se envolvem em calorosas polêmicas sobre tecnicalidades e procedimentos formais, pertinentes ao julgamento em curso. Setores da imprensa se dividem, entre os já conhecidos PIG (Partido da Imprensa Golpista) e PIL (Partido da Imprensa Lulista), cada qual com os seus poderosos meios de comunicação – TVs, rádios, revistas, jornais e blogs, curiosamente, todos, financiados com as gordas verbas publicitárias do próprio governo.
Foi neste particular contexto que muito me chamou a atenção a Carta Aberta ao Povo Brasileiro, manifesto subscrito por um conjunto de personalidades do mundo artístico, intelectual e da própria política. Alertam para o perigo da transformação do julgamento em espetáculo; afirmam repudiar o linchamento público e defender a presunção da inocência; destacam que a defesa da legalidade é primordial; e finalizam que “confiamos que os Senhores Ministros, membros do Supremo Tribunal Federal, saberão conduzir esse julgamento até o fim sob o crivo do contraditório e à luz suprema da Constituição”.
Afora a assinatura de notórios áulicos dos governos pós-2002, alguns regiamente empregados ou beneficiários de verbas oficiais, existem vários nomes de muito respeito na lista. Intelectuais e militantes sociais que merecem todo o crédito. Particularmente em relação a esses, caberiam algumas perguntas: o que de fato temem? Há algum indício de ilegalidades, ou suspeitas de manobras inconfessáveis, em curso? Serão os ministros do Supremo seres tão frágeis e vulneráveis às pressões inerentes a um julgamento dessa natureza?
Em relação a essa minha última pergunta, parece que o próprio manifesto afasta tal possibilidade, com a platitude da afirmação de que todos confiam nos senhores ministros. Sendo assim, qual é de fato o problema?
Entrando objetivamente na discussão, e de acordo com algumas conclusões já consensuais entre todos os ministros, tudo leva a crer na condenação de réus pelos crimes de corrupção, passiva ou ativa. Há ainda divergências quanto à extensão dos crimes de lavagem de dinheiro, formação de quadrilha ou a compra de votos dos parlamentares. E há os réus que poderão ser simplesmente absolvidos. Todos os juízes, por exemplo, já firmaram posição a favor da tese de que houve a montagem de um esquema de logística financeira fraudulenta, para a transferência de recursos de bancos e empresas às cúpulas dos partidos envolvidos.
Neste contexto, a posição de alguns réus é muito delicada, como é o caso do ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares. Afinal, trata-se de um réu confesso. A sua eventual condenação não parece ser a preocupação maior dos signatários da Carta Aberta. Porém, em torno das responsabilidades de Delúbio, há muitas dúvidas. Seria crível admitir que o ex-tesoureiro agia de forma absolutamente independente, como dirigente do PT? Irrigando o partido com milhões de reais e garantindo que outros dirigentes, como foi o caso do próprio Lula, acertassem acordos políticos eleitorais envolvendo grandes somas de dinheiro, é plausível que ninguém o indagasse sobre a origem de tantos recursos?
Evidentemente, não tenho respostas para essas questões, essência do próprio julgamento em curso. Caberá aos ministros do Supremo, na condição de juízes, essas, e outras, conclusões. Mas, por que então não deixar os membros do STF trabalharem? Se a preocupação é com a não “espetacularização” do julgamento, um manifesto dessa natureza não cumpre justamente um efeito contrário?
No fundo, o que os signatários desse manifesto parecem temer é o próprio avanço de conclusões essenciais para a compreensão de toda a cadeia de comando real do Partido dos Trabalhadores. Cadeia essa que fez com que o partido da transformação brasileira, que era o antigo PT, se transformasse no partido da ordem dos bancos e das multinacionais, no principal partido do status quo, badalado e festejado pela imprensa mundial dominante. Comando político que somente os ingênuos, ou mal intencionados, podem desvinculá-lo dos esquemas de financiamento logístico da sigla.
Por fim, a conclusão desse julgamento poderá dar início à necessária reconfiguração da luta política no país, essencial para a derrota do bloco atualmente dominante e principal fiador do modelo liberal-periférico no Brasil, que nos aprisiona a uma política econômica que precisa ser derrotada. Mas, para tanto, combater ilusões e tergiversações é fundamental.

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