Quem tem ações da estatal na carteira e viu as manchetes dos jornais nos últimos dias, destacando que os papéis atingiram a cotação mínima em cinco anos, deve achar que a frase acima não faz nenhum sentido. Ou pior, que é uma piada de mau gosto.
Afinal, desde a megacapitalização, no fim de setembro de 2010, até a quarta-feira da semana passada, a Petrobras perdeu 48% de seu valor de mercado, que caiu de R$ 337 bilhões para R$ 174 bilhões, ou quase metade do patrimônio líquido contábil da empresa. Os acionistas, portanto, perderam R$ 163 bilhões em pouco mais de três anos.
Quem comprou as ações no pico histórico, alcançado em maio de 2008, amarga perdas ainda maiores, de 67% na PN e de 75% na ON.
Como então explicar a frase do início do texto?
As técnicas de avaliação de companhias mais usadas pelos profissionais de investimento costumam levar em conta não apenas o "valor de mercado" do conjunto das ações, mas também o "valor da firma", por vezes chamado de "valor de empresa" ou "enterprise value", em inglês.
Esse conceito resulta da soma do valor de mercado da empresa com a sua dívida líquida.
À primeira vista, parece fazer pouco sentido dizer que a dívida de uma empresa faz parte do seu valor. Mas quem empresta dinheiro para uma companhia é tão investidor quanto um acionista, embora com direitos e expectativas diferentes de retorno.
Um maneira de entender essa lógica é recorrer ao modelo de avaliação do fluxo de caixa descontado. Trata-se de uma ferramenta que serve para se ter uma ideia de quanto vale (saber exatamente seria exagero) tanto empresas como Petrobras e Ambev, como também a banca de jornal da esquina ou o salão de cabeleireiro do outro lado da rua.
Por esse modelo, o analista projeta qual será o fluxo de caixa gerado pela empresa ao longo do tempo. Quanto virá neste ano, no ano que vem, no seguinte, e assim por diante, até a perpetuidade.
Como ter dinheiro disponível daqui a 10 ou 15 anos é diferente de tê-lo de imediato, os fluxos futuros são descontados por uma taxa de juros, para que se saiba qual o seu valor hoje. Ou seja, os fluxos futuros são trazidos a valor presente.
Numa empresa como a Petrobras, é fácil imaginar que seu fluxo de caixa futuro, assim como ocorre hoje, será decorrente da produção de petróleo, da venda de óleo bruto e de derivados, além dos negócios na área de gás e energia.
Os analistas então estimam quanto a empresa vai gerar de caixa na venda dos produtos (já abatidos custos e despesas operacionais em caixa) e descontam, ano a ano, quanto será necessário pagar de impostos e quanto será alocado para investimento em manutenção, em novos projetos e em capital de giro para o negócio funcionar durante todo o período. O que sobra disso é chamado de "fluxo de caixa livre".
Mas esse é o "caixa livre" para a empresa, ou para a firma. Isso porque, antes de o dinheiro ir para o bolso do acionista, é preciso pagar o grupo de investidores que forneceu os recursos necessários para a empresa funcionar. Esse conjunto é formado pelos credores da companhia, que têm prioridade legal para receber. Apenas o que sobra, depois do pagamento da dívida, é que fica com os acionistas, e é chamado de fluxo de caixa livre para o acionista.
Voltando para o início do texto, o fluxo de caixa livre para a firma se reflete no "valor de empresa", ou "enterprise value" dela. Já o mais popular "valor de mercado" tem ligação com o fluxo de caixa livre para o acionista, depois de descontada a dívida.
Quando se analisa o desempenho da Petrobras, nota-se que seu valor de firma tem oscilado em torno de R$ 400 bilhões desde a capitalização, sem variações muito expressivas para cima ou para baixo. E numa dessas idas e vindas, o pico histórico foi alcançado em 18 de novembro de 2013, com R$ 464 bilhões, quando o mercado comemorava uma leve melhora na produção do mês setembro e tinha a expectativa da divulgação de uma nova política de preços que, se existe, não foi apresentada a ninguém até agora. O recorde anterior coincide com o pico das ações, alcançado no fim de maio de 2008.
Há menos de três meses, no dia 18 de novembro do ano passado, a empresa atingiu seu maior valor.
Pelo critério do valor de empresa, a perda da Petrobras desde a capitalização foi de 6,8%, ou R$ 27 bilhões, ante os 48% e R$ 163 bilhões quando se analisa pela ótica do valor de mercado.
Mas vale notar que não foi sempre assim. Quando se analisa o período entre 31 de agosto de 2009, quando a capitalização e a cessão onerosa de 5 bilhões de barris foram anunciadas formalmente pelo governo, e 22 de setembro de 2010, na véspera da sua conclusão, o valor de firma e o valor de mercado andaram juntos, e para baixo.
Agora, o comportamento é diferente. Mas, na prática, o que isso significa para o acionista?
De um lado, que a política de preços imposta pelo governo à companhia acaba sendo contrabalançada pela expectativa de crescimento da produção nos próximos anos. Ou seja, se a empresa não tivesse que incorrer em prejuízo com importação de derivados, seu valor de firma provavelmente estaria em alta, diante da projeção de que a produção cresça 7% neste ano, e ainda mais nos próximos cinco ou dez anos. Mas como existe a pressão negativa no preço dos derivados, o valor da firma fica estável.
Por outro lado, com o valor de empresa mais ou menos estacionado, fica claro que é o crescimento da dívida, que aumenta em dezenas de bilhões a cada ano, que tira o valor das ações da empresa, porque o credor tem direito a um quinhão cada vez maior do valor gerado no futuro. E a dívida só cresce porque o plano de investimento supera com folga a geração de caixa, que por sua vez não é maior por causa da defasagem de preços.
Atualmente, a dívida líquida da Petrobras, de R$ 192 bilhões, já responde por pouco mais de 52% do seu valor de empresa, enquanto esse índice está abaixo de 5% na Exxon e Chevron e fica entre 10% e 15% no caso da Shell, BP e Total.
Além disso, a análise da Petrobras sob a ótica do valor de firma ajuda a entender por que, apesar da queda expressiva das ações, a maior parte dos analistas continua a considerar que elas não estão muito baratas. Em termos de múltiplo, o valor de empresa atual da Petrobras, de R$ 366 bilhões, está próximo de seis vezes seu Ebitda anual de R$ 60 bilhões, sem grandes oscilações nos últimos anos e em linha com o visto nas principais empresas do setor citadas acima. Já quando se analisam múltiplos ligados ao valor patrimonial, ou mesmo em relação ao lucro (que se referem à parcela do acionista), o desconto é relevante.
Isso ocorre, segundo o professor Ricardo Almeida, do Insper, porque por pior que possam ser as intervenções do governo, o mercado considera que elas não vão atingir os credores, mas apenas os detentores de ações. E é isso que permite que a Petrobras continue a acessar o mercado de dívida. "Numa empresa não estatal, o nível de endividamento deveria ser menor. Mas os credores consideram que há uma garantia implícita do governo", afirma ele.
De acordo Almeida, toda vez que a produção da empresa melhora e existe um repasse de preços, ainda que parcial, o valor de empresa da Petrobras tende a reagir para cima.
No entanto, ele considera que isso não se reflete mais no preço das ações diante da suspeita do mercado de que o governo pode em algum momento "desviar o fluxo de caixa" que seria do acionista para o Tesouro, o que ele imagina que possa ocorrer durante o processo de renegociação dos termos da cessão onerosa de 5 bilhões de barris de petróleo.
Na época, em 2010, cada barril foi avaliado por um valor médio de US$ 8,51, e existe a expectativa de alguns agentes de mercado de que o novo acerto tenha um preço maior. O ajuste pode ser feito tanto com pagamento em dinheiro da diferença pela Petrobras, como também com a estatal ficando com menos de 5 bilhões de barris, até a conta empatar.
Contudo, essa questão não deve ser resolvida totalmente no curto prazo - o Itaú BBA entende que o tema só será plenamente resolvido em 2016, após a declaração de comercialidade das seis áreas cedidas pelo governo -, o que deve deixar essa dúvida penalizando as ações.
Por ora, portanto, para que as ações da estatal brasileira se recuperarem, existem basicamente duas saídas. Ou a empresa reduz seu endividamento (o que poderia conseguir investindo um pouco menos por ano, por exemplo) ou eleva muito sua produção e suas vendas, para aumentar o fluxo de caixa livre para a firma em valor presente em um montante superior ao crescimento da dívida.
Na visão do analista André Rocha, responsável pelo blog "O Estrategista", no preço atual, qualquer boa nova envolvendo a companhia pode fazer a ação andar. "Boa parte das más notícias já está no preço", afirma.
Fonte: Valor Econômico - 12/02/2014
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