Ao
contrário do que supõe o ex-presidente Lula, que imagina um país dividido entre
"nós" e "eles", o Brasil não é binário. Não somos ricos ou
pobres, brancos ou negros, burgueses ou trabalhadores, bons ou maus,
reacionários ou esclarecidos, de direita ou de esquerda; somos tudo isso, e
mais todas as variações possíveis entre esses tantos pontos. Por isso as
manifestações de hoje foram tão interessantes de se ver, e tão diferentes das
Diretas Já, em que todos, absolutamente todos, queríamos a mesma coisa.
Foi
muito mais fácil ir às Diretas Já. Não havia pluralidade alguma lá; não havia
muito o que pensar. Artistas e políticos estavam do mesmo lado, faziam comícios
com os quais concordávamos cem por cento. Havia uma palavra de ordem única, que
estava presa na gargante de todos. Todos os nossos amigos pensavam da mesma
forma, e não vivíamos a amargura de nos vermos divididos dentro de uma mesma
tribo, de uma mesma família.
Não
tivemos qualquer dúvida em relação às Diretas Já; tivemos todas as dúvidas em
relação às manifestações de hoje. Faria sentido nos manifestarmos contra o
governo sendo contra o impeachment? Não correríamos o risco de virar massa de
manobra de políticos mal intencionados? Não seria perigoso ir a uma
manifestação onde poderiam aparecer elementos ultraconservadores?
Sem
uma pauta fechada e sem lideranças políticas para dar o tom, cada um foi com a
sua cabeça, as suas dúvidas e as suas próprias ideias.
Às
manifestações compareceram, essencialmente, os que estão contra o governo. Mas
há mil razões para se estar contra este governo, e mil formas de se manifestar
isso. Foram para as ruas as pessoas que quiseram apenas mandar um recado à
classe política, uma espécie de "Veja lá!", e as que desejam
ardentemente o impeachment da presidente; foram as que não aguentam mais a
corrupção, as que se cansaram da violência, as que não suportam mais impostos
tão altos. Foram as que estão contra o judiciário e as que querem uma ampla
reforma ética para moralizar o país. Foram até algumas que se cansaram da
democracia e que querem a volta dos militares. Houve de tudo, e recortes
isolados permitem qualquer leitura.
Mas
as manifestações foram, acima de tudo, uma grande lição de Brasil. Ela será bem
aproveitada se soubermos olhar com sabedoria para este espelho múltiplo e
plural -- e, sobretudo, se os nossos governantes não se blindarem do que lhes
disseram as ruas desqualificando os manifestantes como burgueses brancos elitistas
manipulados pela mídia golpista.
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